Na presidência da Câmara dos Deputados há menos de três meses, o líder do centrão, Arthur Lira (PP-AL), já recebeu 50 novos pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) - cerca de uma peça a cada um dia e meio.
Houve um expressivo ganho de ritmo em comparação com a gestão do ex-presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tinha uma média de uma ação nova a cada 11 dias --foram 66 ao todo.
O crescimento neste ano ocorreu em meio ao desgaste acentuado de Bolsonaro diante do auge da pandemia da Covid-19 no país--além da maior crise militar desde 1977, com a troca da cúpula das Forças Armadas.
Apesar da aceleração dos pedidos na gestão Arthur Lira, o resultado concreto deve ser o mesmo do registrado durante a administração de Maia: a análise eterna.
Lira já sinalizou em diversas ocasiões que não pretende dar encaminhamento aos 116 pedidos que se avolumam na Câmara. Mais de uma vez, usou o fato de Maia não ter dado andamento às ações como justificativa para manter os processos intocados.
Ele também indicou que, com a pandemia, não há clima para abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro --o mesmo argumento que usa para desencorajar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara.
Dois movimentos recentes tentaram aumentar a pressão sobre Lira para forçá-lo a admitir a abertura do processo.
O primeiro foi um mandado de injunção apresentado pelo deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) e pelo vereador de São Paulo Rubinho Nunes (Patriota-SP) ao STF (Supremo Tribunal Federal). O objetivo era que a corte estabelecesse prazo razoável para que a Câmara dos Deputados analisasse os pedidos.
A ministra Cármen Lúcia, no entanto, negou seguimento ao mandado, afirmando não haver prazo para análise na lei que define os crimes de responsabilidade e que cabe à Câmara a avaliação das petições que chegam por lá.
"O presidente daquela Casa exerce juízo específico de plausibilidade da peça que ali chega e da oportunidade e conveniência, em juízo qualificado como político por este Supremo Tribunal, no julgamento acima mencionado", diz trecho da decisão.
"Compete a ele analisar, nos termos da legislação vigente, os dados jurídicos e políticos que propiciam, ou não, início de processamento válido do pleito apresentado."
Segundo a ministra, se decidisse impor prazo, o Judiciário macularia o princípio da separação dos Poderes. Kataguiri e Nunes pretendem apresentar agravo interno para que o pedido seja apreciado pelo plenário do Supremo.
A outra frente estudada é a apresentação de um pedido de impeachment coletivo que reuniria a assinatura dos autores de processos já protocolados na Câmara desde que Bolsonaro foi eleito. Nesta sexta-feira (23), houve uma reunião virtual inicial para discutir essa possibilidade.
Participaram, além de partidos de oposição, representantes de centros acadêmicos e movimentos sociais, além de juristas, entidades religiosas e deputados de centro-direita, como Kataguiri, Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP).
"Decidimos tratar daquilo que nos une, e não do que nos separa, como as divergências do papel do Estado da economia", afirmou o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ). "A primeira coisa é livrar o Brasil de Bolsonaro. O desejo de livrar o Brasil de Bolsonaro é maior do que o que nos separa."
"É um processo, não é uma coisa rápida, de uma hora para outra. Mas é um processo necessário de se construir. Nosso desejo é que possa reunir o envolvimento de mais atores em torno desse tema", disse o líder do PT na Câmara, deputado Bohn Gass (RS).
Na avaliação de Kataguiri, a oposição ao governo precisa ser intransigente no pedido de impeachment. "A pauta tem de ser única. Além disso, precisamos manter a chama do impeachment acesa com atos constantes, exigindo a abertura do processo por parte do presidente da Câmara."
A ideia é que o aumento da pressão force uma resposta institucional da Câmara. Além do pedido coletivo, os participantes conversaram sobre a possibilidade de realizar atos conjuntos, com dias e horários marcados, ainda que sem ser um movimento unificado.
Para evitar aglomerações na pandemia, as ideias em debate passaram por protestos virtuais, carreatas e até atos simbólicos, como pendurar panos em janelas.
Além disso, será criado, possivelmente na próxima semana, um grupo de trabalho com representantes dos pedidos de impeachment para decidir se, no lugar de um pedido coletivo, seria mais contundente apresentar um manifesto assinado por todos os autores para pedir que Lira aprecie uma ou mais peças protocoladas.
Valeir Ertle, secretário nacional de assuntos jurídicos da CUT, destacou a união de um grupo com ideias divergentes.
"É importante e é válida. Vamos tentar fazer mobilizações, apesar da pluralidade e das divergências que existem no grupo. Mas temos uma unidade em torno de um propósito, para que saia da gaveta esse pedido [de impeachment]", afirmou Ertle.
Tânia Oliveira, da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), criticou o poder concentrado nas mãos do presidente da Câmara para decidir se acolhe ou não os pedidos de impeachment do presidente. "Em algum momento tem de ser revisto, porque é sem precedente", disse.
Ela lembrou que a pandemia de Covid-19 impede que os deputados sintam um dos principais termômetros que pesam em aberturas de impeachment: a pressão popular.
"A pandemia que empareda Bolsonaro é o que impede que as pessoas vão para a rua manifestar a rejeição. Quem sabe essa união não cria um expediente que pressione o Lira a acatar [o pedido]?"
A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) também manifestou essa expectativa. "Sabíamos que tirar Bolsonaro [do poder] era uma medida sanitária para enfrentar a Covid-19. Agora, é inacreditável o silêncio da Câmara dos Deputados. Quem silencia diante do genocídio é cúmplice", afirmou.
"Não temos dúvida que Bolsonaro será condenado pelos crimes contra a humanidade que cometeu. Mas precisamos fazer toda a unidade de ação possível e pressão sobre Lira para que seja impitimado em 2021."
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