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Saúde Gravidade

Médicos em Goiás advertem para o uso do Kit Covid

Nova cepa, uso indiscriminado de medicamentos sem eficácia e demora na procura por atendimentos podem explicar mais mortes e casos graves entre jovens

19/04/2021 09h35 Atualizada há 4 anos
Por: Santa Helena Agora Fonte: O Popular
Sérgio Lima/Poder360
Sérgio Lima/Poder360

O uso dos medicamentos do chamado kit Covid, que inclui medicamentos como ivermectina, cloroquina e hidroxicloroquina, continua preocupando profissionais que atuam em leitos de alta complexidade. Relatos de médicos e fisioterapeutas em Goiás mostram que alguns pacientes chegam a ter situação agravada pelo uso excessivo desses medicamentos que não têm eficácia contra a Covid-19 ou que só têm quando administrados no momento adequado. Hepatologista relata, inclusive, registros de lesões no fígado.

Médico clínico e intensivista do Hospital Anis Rassi, Helvio Martins Gervásio entende que tratar deste assunto é delicado. Ele explica que alguns desses medicamentos, como corticoides, têm papel importante se usados na hora certa contra o coronavírus (Sars-CoV-2). “Pacientes que estão internados, usando oxigênio, que já saíram da fase de viremia (transmissão) podem se beneficiar com eles (corticoides). Mas a administração deve ocorrer apenas em ambiente hospitalar, com a avaliação e acompanhamento do médico.”

Ele cita um estudo inglês que trata do protocolo desse tipo de uso. “Mas não significa que a pessoa que testa positivo deve usar corticoide em casa. Isso é um risco enorme. Excesso de medicamentos pode levar ao comprometimento de órgãos e até causar prejuízos para o resto da vida.” Ele acrescenta que uso de antibióticos também pode ser grave para as pessoas. “Estamos observando que cada dia mais os pacientes que chegam às UTIs são jovens e, quando olhamos no prontuário, fizeram uso desses medicamentos antecipadamente.”

O médico infectologista Marcelo Daher diz que também tem percebido aumento de pacientes com situação complicada pelo uso de medicamentos sem eficácia contra a Covid-19. Além dos casos graves, ele credita o aumento de mortes também ao uso desses medicamentos. “A maioria desses pacientes fica em casa tomando esses remédios, o quadro se agrava e só quando não tem mais nada pra fazer que esse paciente procura a unidade hospitalar”, alerta.

Ele atua no Hospital de Urgências de Anápolis (Huana) e afirma que, com muita frequência, vê paciente chegar no 14º dia de infecção já em estado considerado gravíssimo. Ele acrescenta que os pacientes relatam que não procuraram atendimento antes porque estavam em casa tomando o chamado kit Covid, esperando que funcionassem. O infectologista diz não entender quem deixa de fazer o que é comprovado para se arriscar com medicamentos que até mesmo os fabricantes descartam eficácia contra a doença.

O médico diz que sua preocupação pela mudança no perfil dos pacientes graves, que antes eram idosos e com comorbidades e agora inclui jovens saudáveis, se justifica porque muitos já chegam com a necessidade de intubação. Além de esperar a eficácia dos medicamentos que não vão oferecer melhora, os jovens tendem a não valorizar os sintomas que podem significar piora. No caso da Covid-19, em muitos casos essa evolução pode ser bastante rápida.

Gravidade

No Brasil, diretores de grandes hospitais que têm atuado no enfrentamento à doença já declararam que o chamado kit Covid tem, na verdade, contribuído para o aumento de mortes e de pacientes graves. Em Goiás, nenhum hospital referência neste tipo de atendimento se posicionou oficialmente, mas médicos que atuam nos hospitais de campanha relataram preocupação.

“Isso tudo é ilusão e chego a ficar triste por ver o paciente grave por conta de uma ignorância ou por querer acreditar em milagres que não existem. Infelizmente muita gente morre ou fica com sequela no fígado, por exemplo, por conta desse tratamento que eles chamam de precoce”, diz uma médica que trabalha no Hospital de Campanha em Goiânia, mas que pede para não ter o nome publicado porque nenhum diretor ou responsável autorizou a entrevista sobre o assunto.

A médica diz que nunca pensou em ter que trabalhar durante uma pandemia. “É uma doença nova para o mundo todo, mas se apegar em falácias é complicado. Vejo gente comentando que essas pessoas não deveriam ter acesso aos leitos por não acreditarem na ciência, mas não é assim. Todos merecem o atendimento, mas infelizmente muitos desses jovens vão ter sequelas disso para o resto da vida.” A médica acrescenta que não são todos os pacientes que terão esses prejuízos. “Se não tiver doença que se agrave com esse uso, se não usar em excesso, acredito que não terá consequência, mas meu pedido, como médica que vê gente chegar grave todo dia, precisando de intubação, é para parar.”

Goiás registrou um quarto de todas as mortes de pessoas entre 20 e 49 anos nas últimas quatro semanas. A médica afirma que isso mostra que, com um vírus mais letal, pessoas com a saúde mais debilitada por uso desnecessário de corticoides e antibióticos, se tornam vítimas mais facilmente. “Somado a isso, temos toda essa demora na procura médica”, diz. Nas últimas quatro semanas, foram registradas 487 mortes de pessoas nesta faixa etária. Desde o início da pandemia, há um ano, o total de mortes soma 1.961.

Hepatologista explica riscos

Médico hepatologista, Rafael Ximenes condena o uso de medicamentos sem acompanhamento médico. Ele diz que os remédios do chamado tratamento precoce preocupam pelo uso indiscriminado. “A azitromicina leva a aumento de enzimas do fígado de 1 a 2% nas pessoas que fazem uso. Em alguns desses casos, essa alteração pode ser grave, com mal funcionamento do fígado e mesmo risco de evolução para necessidade de transplante.”

Ximenes explica que a hidroxicloroquina não tem alto risco de lesão no fígado, mas a já existem relatos. Já a ivermectina, segundo ele, passou de raro para frequente. “Da forma como vem sendo usada, em doses maiores do que é recomendado, por dias consecutivos ou por dias repetidos, tem sido mais frequente ver lesão no fígado por ela.”

O resultado disso são pacientes que morrem por lesão do fígado associada a essas medicações ou que precisaram de transplantes. “Quanto maior o uso indiscriminado desses remédios, maior a chance disso voltar a acontecer.”

Ele ainda reforça que não são medicações isentas de risco. “Por mais raros que sejam casos de lesões graves, muita gente toma e fatalmente alguma delas vai apresentar efeito colateral grave. ”

“Para prevenir tem-se que focar naquilo que funciona, que é o distanciamento social, uso de máscara, cuidado com higienização das mãos”, ressalta.

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