A vacinação contra a Covid-19 em Goiás, iniciada no dia 18 de janeiro, pode ter poupado até o momento entre 4 mil e 6 mil vidas, mesmo com todos os atrasos e obstáculos para a entrega das doses. O cálculo foi feito pelo POPULAR com base na evolução dos óbitos do grupo abaixo de 60 anos de idade, que entrou apenas nesta semana na relação dos aptos à vacinação. A imunização por vacina foi responsável pela queda brusca verificada no total de idosos mortos. Desde 9 de março, pela primeira vez o porcentual de pessoas com até 60 anos mortas pelo coronavírus chegou a 50%.
Entre 21 de fevereiro, quando começou a cair o porcentual de pessoas com mais de 80 anos entre o total de óbitos, e 26 de maio, quando os dados que embasaram a conta foram baixados, pelo menos 8 mil goianos morreram com Covid-19. Considerando o pior cenário de 2020, antes da vacinação começar, seriam 14,7 mil. No cenário mais ameno em 2020, após a primeira onda, 12 mil.
Profissionais de saúde e autoridades da área no setor público afirmam que a vacinação é, até o momento, a única medida que explicaria a queda de mortes de idosos em relação ao total nas últimas semanas. Além das estatísticas, que mostram o impacto já a partir do fim de fevereiro, há os relatos dos médicos que atuam na linha de frente sobre o perfil dos pacientes. Com algumas exceções, na maioria dos casos graves, são pessoas jovens que ainda não foram vacinadas.
Para chegar ao total de vidas poupadas, a reportagem considerou dois cenários, ambos de 2020 antes de qualquer vacina começar a ser aplicada. No primeiro, foi usado o porcentual de pessoas com menos de 60 anos entre o total de óbitos na pior semana da primeira onda – 428 goianos morreram entre os dias 23 e 29 de agosto, sendo que 22% tinham até 59 anos. No outro, foi usado o na semana com menos mortes após a primeira onda, também antes da vacinação começar – no caso, entre os dias 20 e 26 de dezembro, quando morreram 86 pessoas, sendo 27% com menos de 60.
Atualmente, o total de pessoas com menos de 60 anos entre os mortos por Covid-19 em Goiás chegou a 50%, o que ocorreu principalmente, pelo que se sabe até o momento, por causa da vacinação. Especialistas afirmam que as variantes do coronavírus parecem atingir de forma igual todas as faixas etárias e o comportamento da população segue parecido com ao que era antes da campanha de imunização.
Desde que a pandemia da Covid-19 se consolidou em Goiás e o número de mortes no Estado ultrapassou os 100 por semana, o porcentual por faixa etária pouco variou, sendo que das pessoas com até 59 anos sempre ficou quase sempre próximo a 25% na média. A reportagem, então, considerou qual seria o total de óbitos caso o porcentual deste grupo seguisse em 22% (primeiro cenário) ou 27% (segundo cenário.
É preciso levar em conta algumas ponderações neste cálculo. Primeiro que nem todas as pessoas com mais de 60 anos foram vacinadas ou já receberam a segunda dose, caso tenham sido imunizadas com a AstraZeneca, que exige um tempo de espera de três meses. Além disso, de cada 4 pessoas que já receberam a segunda dose de alguma das vacinas, uma tem menos de 60 anos.
Considerações
O POPULAR ouviu dois especialistas acostumados a lidar com dados sobre Covid-19 e projeções em Goiás. O professor Manuel Eduardo Ferreira, coordenador da Plataforma Covid-19, da Universidade Federal de Goiás (UFG), diz que a conta faz sentido. “Claro que outros fatores podem ter causado este declínio, mas sabemos que não devem ter grande influência, uma vez que a postura da população permanece praticamente a mesma”, comentou.
Já o biólogo e pesquisador da UFG, José Alexandre Felizola Diniz Filho, que participou com outros colegas da elaboração de cenários da epidemia no Estado em 2020, também diz que é uma estimativa que faz sentido, mas é importante considerar outras variáveis. “Parece que faz sentido sim. A segunda onda foi mais agressiva e, embora tenha sido ruim, eu esperava mais mortes mesmo. Pode ser função da vacina, mas tenho lá minhas dúvidas porque a proporção de pessoas vacinadas (com as duas doses) é baixa, menos de 10% pelo portal. E mesmo assim a eficiência da Coronavac em relação à (variante) P1 parece ser menor”, comentou.
O médico infectologista Marcelo Daher, que atua na linha de frente contra a epidemia na Santa Casa de Anápolis e no Hospital de Urgências de Anápolis (Huana) também destaca outro ponto: segundo ele, no começo de cada onda é a parcela mais jovem a que aparece primeiro nos hospitais com os sintomas, por estarem mais expostos à transmissão. E o começo da segunda onda foi bem mais forte que o da primeira, quando o vírus ainda estava se espalhando pelo Estado. “Acho que afirmar isto neste momento seja um pouco arriscado pela característica que a doença apresenta, talvez num segundo momento”, disse.
Perfil do paciente mudou, dizem médicos
O perfil dos pacientes que dão entrada nos hospitais com Covid-19 mudou em Goiás após o início da campanha de vacinação, principalmente a partir de março, período em que a epidemia atingiu o pior momento no Estado. “Para falar sobre a efetividade da vacina precisamos de estudos que comprovem, mas o que a gente observa é uma tendência de queda destes pacientes idosos e uma tendência de aumento de pacientes acima de 30 anos”, comentou Cynara Martins, superintendente de Gestão de Redes de Atenção da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia.
A especialista em fisioterapia respiratória, Alessandra Carneiro Dorça, que atua no Hospital Neurológico de Goiânia e em sua clínica particular, atendendo pacientes com Covid-19 desde o começo da pandemia, diz que houve uma “mudança muito expressiva” tanto do público que procura socorro médico como do quadro destas pessoas após a campanha de imunização. “Os pacientes que chegavam antes eram mais idosos, até nesta segunda onda que diminuiu. Agora a média é até 50 anos, pessoas muito jovens e com a doença muito grave.”
Alessandra diz também que os pacientes que tomaram só a primeira dose ainda estão se internando e em alguns casos tendo o quadro clínico agravado, mas os que já tomaram a segunda dose “têm desenvolvido a doença sem ficar grave”. “Isso (o agravamento da doença) acontece mais com os jovens porque não estão imunizados contra a doença.”
A goiana Mariane Santos, de 27 anos, médica atuante em UTI, que está há dois meses no Hospital Luís França, em Fortaleza (CE), mas que já atuou também em UTIs no Hospital de Urgências da Região Noroeste de Goiânia (Hugol) e em outras unidades de Goiânia e Aparecida, afirma não ter dúvidas de que a mudança do perfil de idade dos pacientes que dão entrada nos hospitais se deve “com certeza” à vacina. “Não tem como ignorar as estatística. As faixas etárias reduziram muito. Antes eu dava notícias para os filhos que os pais faleceram, agora eu dou notícia dos filhos ou para filhos de pais muito mais jovens.”
Para o infectologista Marcelo Daher, que atua na Santa Casa de Anápolis e no Hospital de Urgências de Anápolis (Huana), é preciso mais tempo para avaliar se a vacina já é responsável pela mudança no perfil, pois argumenta que os inícios das ondas são marcados pela forte presença de pacientes jovens. “Normalmente quando a gente avalia o início de uma onda ele se inicia naturalmente pelos mais jovens, e num segundo momento segue para os mais idosos.”
O médico diz, porém, que entre os idosos que aparecem nos hospitais com Covid-19 é notada uma resposta mais rápida para a doença. “Teoricamente seriam pacientes que tenderiam a ter uma evolução pior, mas acabam respondendo favoravelmente. Parece que a intensidade é menor entre os vacinados.”
Faixa dos 80 foi primeira a ter queda na curva de óbito
A faixa etária acima de 80 anos foi a primeira a apresentar sinais de queda durante a evolução da segunda onda da epidemia em Goiás. O ponto mais crítico foi na semana entre os dias 7 e 13 de março.
Já a faixa etária entre 50 e 59 anos passou a apresentar uma queda a partir da semana seguinte. Já as faixas etárias entre 60 e 69 anos e entre 70 e 79 anos começaram a cair na semana entre 21 e 27 de março, entretanto a primeira veio de uma forma mais lenta.
A população entre 40 e 49 anos foi a que mais tempo ficou com a curva em alta, até o dia 3 de abril, vindo a cair em seguida. Por fim a de 30 a 39 anos teve dois picos, m meados de março e de abril, e a queda é mais lenta. Mas os números são menores.
Situação ainda pior que 1ª onda
O total de mortes por Covid-19 em Goiás em maio segue acima do pior momento da primeira onda da epidemia no Estado, entre os meses de agosto e setembro de 2020. Na pior semana do ano passado, foram registradas 428 mortes pelo coronavírus de goianos, enquanto as duas últimas semanas com os números mais consolidados (entre os dias 18 de abril e 1º de maio) mostram valores maiores: respectivamente, 495 e 443 óbitos. Como a tabela usada pela reportagem considera dados divulgados até a manhã do dia 26 de maio, as informações das semanas anteriores ainda poderiam sofrer maiores alterações.
Porém, sem a vacinação, a situação poderia ser ainda pior. Estimativa feita pela reportagem aponta que a pior semana deste ano, entre os dias 14 e 20 de março, poderia registrar até 1.855 mortes, 80% a mais do que o verificado. É um número maior do que o total do mês de agosto, o pior da primeira onda (1.832).
No dia 1º de maio, O POPULAR fez a primeira reportagem mostrando a redução no porcentual de idosos acima de 80 anos entre o total de mortes por semana a partir do momento em que a segunda dose da vacina começou a ser aplicada e mesmo com os números de óbitos atualizados um mês depois (em média um óbito demora até 15 dias para cair no sistema do Ministério da Saúde), os porcentuais por faixa etária seguiram praticamente os mesmos, com variações nas casas decimais.
Em 2021, nenhuma semana registrou menos de 100 mortes considerando a data de registro, mesmo a última de maio, cujos números ainda estavam longe de uma consolidação.
A situação faz com que especialistas e profissionais de saúde se dividam sobre se estamos entrando agora com o aumento novamente das internações numa terceira onda ou se trata-se de um repique da segunda, cujo pico foi entre março e abril. A maior transmissibilidade das novas variantes do coronavírus e o comportamento da população são apontados como motivos para a taxa de óbitos não ter caído como após a 1ª onda.
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