Quando foi informada de que o marido teria de ser internado em um hospital de Goiânia por causa da Covid-19, a representante comercial Flávia Alves de Sousa de Moraes não teve dúvidas. Ela decidiu que ficaria ao lado dele mesmo não tendo contraído o coronavírus (Sars-CoV-2) por entender que sua companhia o faria enfrentar melhor a doença. Flávia tem convicção de que sua decisão influenciou na recuperação do marido, o também representante comercial Walber Queiroz de Moraes. Mesmo sem estar doente, durante 19 dias ela permaneceu dentro do hospital, uma exceção à regra nesta pandemia.
“Optei por ficar com ele por ter consciência do abalo psicológico que a doença provoca no paciente. Como meu marido é muito ansioso, isso atrapalharia o tratamento”, explica Flávia. Foram dez dias sob cuidados médicos em casa após o diagnóstico no dia 5 de março e outros 19 dias de internação. Quando veio a certeza de que a separação do casal seria inevitável, diante das orientações das autoridades de saúde para manter o isolamento dos pacientes, a representante comercial insistiu em acompanhar o marido, com quem tem uma filha de 3 anos.
“Tenho certeza de que fiz a coisa certa. O que percebi dentro do hospital é que a Covid-19 ataca tudo, mente e corpo. Ele não conseguia virar na cama, não tinha força física, nem emocional.” Flávia não contraiu o vírus. Walber, que é diabético e hipertenso, não chegou a ser entubado e nem foi para a Unidade de Tratamento Intensivo, embora tenha tido grave comprometimento pulmonar. Para a mulher, estar ao lado do marido o ajudou a superar a Covid-19. “A força positiva, as orações, contribuíram para a recuperação. Presenciei muitos pacientes com crises de pânico e de ansiedade.”
Quando, no início de 2020, a partir de Wuhan, na China, ficou evidente a alta transmissibilidade do coronavírus (Sars-CoV-2), a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou orientações sobre o manejo clínico dos pacientes. Desde então, autoridades de saúde de todo o mundo, com base em argumentações científicas, adotaram o isolamento como regra para conter o avanço da pandemia. No Brasil, o Ministério da Saúde lançou o Protocolo de Manejo Clínico da Covid-19 na Atenção Especializada, no qual há recomendações referentes a acompanhantes e visitantes nas unidades hospitalares. Em caso de síndrome gripal a orientação é pela proibição das visitas.
Um ano depois que o mundo precisou se adaptar a esta nova realidade na saúde pública, alguns estabelecimentos hospitalares têm flexibilizado a recomendação. Foi o que aconteceu no caso de Walber de Moraes. “A gente acha que esse afastamento implica numa evolução desfavorável. Permitimos que ela ficasse, mas atendendo todos os protocolos sanitários. Ela foi muito disciplinada nos cuidados. É uma doença difícil, às vezes a internação é prolongada, como foi no caso dele. É preciso paciência e resiliência. Muitas vezes o acompanhante está ali para ajudar”, afirma a médica infectologista Ana Carolina Andrade, que o acompanhou.
A Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás (Ahpaceg) informa que cada associado tem autonomia para a definição das normas para acompanhamento de pacientes internados, desde que sejam respeitadas a legislação vigente, a determinação médica e as orientações da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH).
Já o Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) não tem uma recomendação própria sobre o tema, mas orienta que sejam respeitadas normas da Associação Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde.
Alegria somente na hora da saída
“Nos últimos dias tenho me martirizado pensando que eu poderia ter ficado do seu lado pegando nas mãos, motivando-o a ter forças”, comenta a policial civil Lidiane Antunes que perdeu o pai, Antônio Antunes de Meneses Filho, para a Covid-19 no mês de abril, após um mês de internação. No hospital privado, usando equipamentos de proteção individual (EPIs), familiares puderam entrar no quarto onde ele estava três vezes por semana. “Mas na maioria das vezes ele estava inconsciente, com sedativos e bloqueador neuromuscular. Nesses dias acredito que não poderíamos ajudar muito”.
No Hospital de Campanha para Enfrentamento do Coronavírus (HCamp) de Goiânia, unidade da Secretaria Estadual de Saúde (SES), a precaução de contato é seguida criteriosamente. Visitas aos internos são proibidas em razão do alto risco de contágio. “O HCamp abre exceções para que alguns familiares entrem em contato com o paciente por poucos minutos, em casos paliativos, quando ele está próximo ao óbito, mas depois de rígida avaliação das equipes de psicologia e de assistência social”, explica a assessoria de comunicação da unidade.
Em Itumbiara, o operador de máquinas pesadas José Ivanildo Cavalcanti, de 67 anos, precisou de UTI no HCamp local por quase quatro dias. “A única alegria que você tem ali é quando sai. Eu não dormia vendo tanta gente entubada. Algumas pessoas reagem, outras não. A UTI é um pavor.” Do lado de fora, as três filhas e a mulher, a técnica de enfermagem aposentada, Terezinha Maria, procuravam amenizar a angústia com as informações oferecidas pela equipe que o acompanhava. “Eu via meu marido todos os dias por vídeo, cheio de aparelhos e chorando. É terrível, mas os profissionais de saúde estão ali salvando vidas”, afirma ela.
Pandemia gera medo e ansiedade
“Estamos nesta mesma tempestade navegando em barcos diferentes”, diz o presidente do Conselho Regional de Psicologia (CRP) de Goiás, Wadson Arantes Gama, sobre o papel exercido pelos profissionais de sua categoria nesta pandemia. “Cada pessoa reage de forma distinta às internações, que geram medo e ansiedade. Hoje já não há mais grupos de risco. Todos nós estamos sujeitos à possibilidade de perda e à ausência do rito do luto, tão importante em nossa cultura.”
Segundo Wadson, não há uma receita definida para atuação dos psicólogos, mas considera importante uma comunicação efetiva com os familiares de forma amorosa e realista, para que eles não fiquem desamparados. “Até mesmo em casos em que a pessoa se submete ao risco, para que ela não crie fantasia e fique fora da realidade. Caso se contamine, tem de arcar com as consequências.”
O presidente do CRP Goiás lembra que os hospitais precisam cumprir regras de biossegurança, mas também é essencial manter um canal capaz de proporcionar conforto aos pacientes e familiares, reduzindo a angústia e a ansiedade.
Em seu consultório e dentro do conselho, Wadson Gama tem notado que muita coisa mudou desde o início da pandemia. “Muitos hospitais têm percebido a importância do contato de alguém da família e tem dado mais abertura, abrindo dias de visitas obedecendo todos os protocolos sanitários. Mas isso ocorre principalmente quando o paciente já não transmite o vírus”, enfatiza o psicólogo.
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