O governo estuda elevar o valor de benefícios recebidos por servidores públicos, como o vale-alimentação, para tentar aplacar a pressão generalizada por reajustes salariais.
De acordo com técnicos ouvidos pela Folha, a medida seria uma forma de contemplar todo o funcionalismo, em vez de conceder aumentos apenas às categorias policiais, como acenou o presidente Jair Bolsonaro (PL).]
A promessa direcionada do chefe do Executivo, que tem nos policiais uma importante parcela de seu eleitorado, deflagrou mobilizações de outras categorias, que pedem o mesmo tratamento. Algumas estão há cinco anos sem reajuste.
O governo tem hoje uma verba de R$ 1,7 bilhão reservada no Orçamento de 2022 para dar reajustes a servidores.
O valor é insuficiente para dar um aumento linear razoável ao funcionalismo, e não há espaço fiscal para ampliar ainda mais a despesa com pessoal.
Por isso, técnicos agora discutem a viabilidade de usar o dinheiro para reajustar benefícios, uma medida de alcance amplo e custo reduzido se comparado ao impacto dos aumentos.
O Executivo paga hoje um auxílio-alimentação de R$ 458 mensais a todos os servidores ativos, exceto aqueles que estão afastados por licença-capacitação de longa duração ou por cessão a organismos internacionais.
Já o auxílio pré-escolar, pago a funcionários ativos com filhos de até seis anos, tem valor de até R$ 321 mensais.
Os valores tiveram o último reajuste em 2016 e estão bem abaixo do que é pago pelos demais Poderes.
Na Câmara dos Deputados, os servidores recebem R$ 982,29 de auxílio-alimentação e R$ 798,42 de auxílio pré-escolar, segundo dados de dezembro de 2021. No Judiciário, esses valores são de R$ 910,08 e R$ 719,62, respectivamente.
Segundo fontes da área econômica, os novos valores ainda estão sendo calibrados de acordo com o espaço disponível no Orçamento.
Para seguir adiante com a estratégia, o governo precisará propor uma mudança na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2022.
O texto hoje proíbe expressamente qualquer reajuste nesses benefícios. Após a mudança, os novos valores poderão ser fixados por meio de portaria ministerial.
A sinalização feita por Bolsonaro aos policiais abriu um impasse dentro do governo, já que a concessão de reajustes seletivos, apenas para policiais, pode deflagrar uma crise mais séria em pleno ano eleitoral.
Além disso, a interpretação atual em parte do Executivo é que, mesmo que o R$ 1,7 bilhão fosse usado para dar reajuste linear a todos os salários, o percentual ficaria tão baixo que poderia gerar uma reação ainda mais adversa.
Cálculos do governo apontam que cada 1% de reajuste concedido a servidores eleva os gastos da União em pelo menos R$ 3 bilhões. Com a verba disponível, um reajuste linear seria de aproximadamente 0,5%.
Já os benefícios, por serem de valor menor, podem ter um percentual de reajuste mais robusto.
Além disso, o governo conta com o argumento de que o país ainda enfrenta os efeitos da pandemia de Covid-19 e que os servidores públicos não perderam emprego ou renda como na iniciativa privada.
Enquanto trabalhadores com carteira assinada tiveram redução temporária de jornada e salário e suspensão de contratos, o funcionalismo manteve sua remuneração sem cortes.
A ideia do reajuste nos benefícios tem ganhado corpo no governo como forma de substituir a elevação dos salários de servidores, mas integrantes reconhecem que a categoria de policiais é importante para o presidente.
Por isso, não se descarta que Bolsonaro acabe concedendo um aumento direcionado à categoria.
Há especulações sobre uma eventual estratégia do presidente de aguardar até a véspera do início das restrições legais neste ano para conceder os reajustes aos policiais.
Encerrada a janela para as mudanças, os demais servidores não poderiam mais pressionar o governo porque não haveria respaldo legal a novos reajustes.
As restrições estão em mais de uma lei. A Lei Eleitoral (9.504/1997) proíbe aumento do salário dos servidores públicos acima da inflação no prazo de seis meses antes da eleição (começo de abril).
Já o atual texto da Lei de Responsabilidade Fiscal (101/2001) determina que é nulo o ato que promova reajuste ou reestruturação de carreira a menos de seis meses do fim do mandato (fim de junho).
Entidades que representam a elite dos servidores protestaram no mês passado por aumentos salariais de até 28,15% —que corresponde à defasagem acumulada do IPCA acumulado de janeiro de 2017 até dezembro passado.
O percentual não é um consenso entre os servidores. Entidades que representam a base do funcionalismo reivindicam elevação de 19,99%, o que representa a defasagem inflacionária durante o governo Bolsonaro.
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